Capítulo Sete: Reciprocidade


<< Capítulo 006


          Os lábios de Petúnia Evans-Verres tremeram e seus olhos se encheram de lágrimas quando Harry abraçou sua cintura na plataforma nove da estação de King’s Cross.

– Tem certeza de que não quer que eu vá com você, Harry?

Harry voltou o olhar para Michael Verres-Evans, que era a imagem típica de um pai rígido, mas orgulhoso, e então de volta para sua mãe, que parecia realmente... descomposta.

– Mãe, eu sei que você não gosta muito do mundo da magia. Você não precisa me acompanhar. Falo sério.

Petúnia estremeceu.

– Harry, você não devia se preocupar comigo, sou sua mãe, e se precisa de alguém com você...

– Mãe, eu terei de ficar sozinho em Hogwarts por meses a fio. Se eu não conseguir lidar com uma estação de trem por conta própria, é melhor descobrir agora do que mais tarde, enquanto ainda é tempo de voltar atrás. – Ele baixou a voz para o nível de um sussurro. – Além do mais, mãe, eles todos me adoram por lá. Se eu tiver problemas, eu só preciso tirar a minha faixa – ele deu uma batidinha na bandana esportiva atoalhada que lhe cobria a cicatriz – e eu vou receber ajuda de mais gente do que eu poderia lidar.

– Oh, Harry! – Petúnia sussurrou. Ela se ajoelhou e lhe deu um abraço forte, e suas bochechas se colaram. Harry podia sentir sua respiração entrecortada, e então ouviu um soluço abafado escapar. – Oh, Harry, eu te amo meu filho, lembre-se sempre disso.

É como se ela tivesse medo de nunca mais me ver, o pensamento surgiu na mente de Harry. Ele soube que o pensamento era verdade, mas não entendia o medo da mãe.

Então, tentou adivinhar.

– Mãe, você sabe que não vou ser igual à sua irmã só porque estou aprendendo magia, okay? Eu vou fazer qualquer magia que você me pedir – se eu puder, claro – ou se você quiser que eu não use mágica em casa, posso fazer isso também, prometo que nunca vou deixar a magia atrapalhar nossa relação...

Um abraço apertado interrompeu o fluxo de suas palavras.

– Você tem um bom coração – sua mãe sussurrou em seu ouvido –, um coração muito bom, meu filho.

A garganta de Harry se apertou ligeiramente.

Sua mãe o soltou, e ficou de pé. Ela puxou um lencinho da bolsa, e com uma mão trêmula o pressionou na maquiagem que escorria ao redor dos olhos.

Não haviam dúvidas a respeito do pai de Harry acompanhá-lo até o lado mágico da estação de King’s Cross. Seu pai estava com dificuldades até de olhar na direção do malão do filho. Magia corria no sangue, e Michael Verres-Evans não conseguia nem caminhar direito.

Então, ao invés disso, o pai pigarreou e disse:

– Boa sorte na escola, Harry. Acha que te comprei livros suficientes?

Harry explicara ao pai como esta era a sua grade chance de fazer algo realmente revolucionário e importante, e o Professor Verres-Evans anuira e bloqueara sua agenda extremamente ocupada por dois dias inteiros para sair no Segundo Maior Ataque a Livrarias de Segunda-Mão da História, que se espalhara por quatro cidades e gerara trinta caixas de livros de ciência, que agora se encontravam no quartinho no fundo do malão de Harry. A maioria dos livros custara uma ou duas libras cada, mas alguns deles definitivamente custaram mais caro, como a mais recente edição d’O Manual Prático de Química e Física, ou a coleção completa da Enciclopédia Britânica, edição de 1972. O pai tentara bloquear a visão de Harry das telas dos caixas das lojas, mas Harry estimava que o pai havia gasto pelo menos mil libras. Harry dissera que restituiria o valor ao pai assim que descobrisse como converter dinheiro de bruxos em dinheiro de trouxas, e seu pai lhe disse para ir pular num lago.

Então, quando o pai lhe perguntou, Acha que comprei livros suficientes para você? Era clara a resposta que queria ouvir.

A garganta de Harry estava rouca, por algum motivo.

– Nunca se pode ter livros suficientes. – Ele recitou o lema da família Verres, e seu pai se ajoelhou e lhe deu um abraço rápido, mas firme. – Mas você com certeza tentou. – Harry acrescentou, e sentiu a garganta apertar novamente. – Foi uma tentativa realmente muito boa.

Seu pai se ergueu.

– Então... – disse – Você consegue ver uma plataforma nove e três-quartos?

A estação de King’s Cross era enorme e movimentada, com paredes e pisos de ladrilhos comuns e encardidos. Estava repleta de pessoas comuns na correria de suas vidinhas comuns, tendo conversas comuns que geravam uma grande quantidade de barulho comum. A estação tinha uma plataforma de número nove (na qual se encontravam) e uma plataforma de número dez (logo ao lado), mas não havia nada entre as duas à exceção de uma barreira fina e pouco promissora. Uma grande claraboia acima permitia a entrada de muita luz para iluminar a total falta de qualquer plataforma nove e três-quartos.

Harry varreu o ambiente com o olhar até lacrimejar, pensando, vamos lá, visão de bruxo, vamos lá, visão de mago, mas absolutamente nada apareceu para ele. Ele pensou em sacar a varinha e sacudi-la, mas a professora McGonagall o havia alertado contra o uso da varinha. Além do mais, se houvesse mais uma chuva de faíscas multicoloridas, isso talvez o fizesse ser apreendido por soltar fogos de artifício dentro de uma estação de trem. E isso assumindo que a varinha não se decidisse a fazer algo diferente, como explodir metade de King’s Cross. Harry havia apenas passado os olhos rapidamente por seus livros escolares (apesar de isso já ter sido uma experiência suficientemente bizarra), em um esforço apressado para determinar que tipo de livros de ciência deveriam comprar nas 48 horas seguintes.

Bem, ele tinha – Harry olhou para o relógio – uma hora inteira para resolver esse enigma, já que precisava estar no trem às onze. Talvez este fosse o equivalente a um teste de QI e as crianças estúpidas não podiam se tornar bruxos e bruxas (e a quantidade de tempo que você se desse determinaria sua Conscienciosidade, que era o segundo fator mais importante para o sucesso acadêmico).

– Eu vou dar um jeito – Harry disse para os pais, que aguardavam – Provavelmente é algum tipo de teste.

Seu pai franziu a testa.

– Hum... você talvez precise procurar uma trilha de pegadas misturadas no chão, levando a algum destino que não pareça fazer sentido...

Pai! – Harry exclamou – Pare com isso! Eu nem mesmo tentei resolver sozinho ainda! – era uma ótima sugestão, o que era pior ainda.

– Me desculpe – disse o pai.

– Ah... – a mãe de Harry interveio – Não acho que fariam isso com os alunos, não? Tem certeza de que a professora McGonagall não te disse nada a respeito?

– Talvez ela tenha se distraído e esquecido – Harry disse sem pensar.

Harry! – seus pais sibilaram em uníssono – O que você fez?

– Eu, um... – Harry engoliu em seco. – Olha, não temos tempo para isso agora...

Harry!

– É sério! Não temos tempo para isso agora! Porque é uma história realmente longa e eu preciso descobrir como ir para a escola!

Sua mãe cobria o rosto com uma mão.

– O quão sério foi o problema?

– Eu, ah... – não posso dizer por motivos de segurança nacional – algo como metade do nível do Incidente com o Projeto de Ciências?

Harry!

– Eu, er, oh, olha lá, tem um pessoal com uma coruja, eu vou perguntar sobre como entrar! – E Harry correu para longe dos pais em direção à família de ruivos, seu malão automaticamente rastejando em seu encalço.

A mulher rechonchuda olhou para ele quando chegou.

– Olá, querido! Primeira vez indo para Hogwarts? É a primeira vez do Rony também... – ela o encarou mais de perto. – Harry Potter?

Quatro meninos e uma menina de cabelos ruivos flamejantes e uma coruja se voltaram para eles e congelaram ao vê-lo.

– Ah, qual é! – Protestou Harry. Ele planejava usar o nome Harry Verres, pelo menos até chegar em Hogwarts. – Eu comprei uma bandana e tudo o mais! Como soube que era eu?

– Sim, – disse o pai de Harry, chegando por trás dele a passos largos – como sabe quem ele é? – Sua voz indicava certo medo.

– Sua foto está nos jornais – disse um dos gêmeos no grupo.

HARRY!

Pai! Não é nada disso! É porque eu derrotei um lorde das trevas chamado Você-Sabe-Quem quando eu tinha um ano de idade!

É O QUÊ?

– A mamãe pode te explicar.

O QUÊ?

– Ah... Michael, querido, há certas coisas com as quais eu achei que seria melhor não te incomodar até agora...

– Com licença, – Harry disse para a família de ruivos que agora lhe encarava – mas seria de grande ajuda se pudessem me dizer como chegar à plataforma nove e três-quartos agora.

– Ah... – disse a mulher. Ela ergueu uma mão e apontou para a parede entre as plataformas. – É só andar em direção à barreira entre as plataformas nove e dez. Não pare e não fique com medo de bater nela, isso é importante. É melhor correr um pouco se estiver nervoso.

– E, o que quer que faça, não pense num elefante.

George! Ignore-o, Herry, querido, não há motivo algum para não pensar em um elefante.

– Eu sou o Fred, mãe, não o George...

– Valeu! – Harry disse, e se apressou para correr em direção à barreira...

Espera, não funcionava a não ser que acreditasse nisso?

Era em momentos como esse que Harry odiava sua mente por trabalhar rápido o suficiente para perceber que este era um caso onde uma “dúvida ressonante1” se aplicava, isto é, se ele a princípio pensasse que passaria pela barreira, ele ficaria bem, mas agora ele estava preocupado se acreditava suficientemente que passaria pela barreira, o que significava que ele na verdade se preocupava com bater nela...

Harry! Volte aqui agora mesmo, você tem muito o que explicar! – era seu pai.

Harry cerrou os olhos e ignorou tudo o que sabia sobre credibilidade justificada2 e tentou apenas acreditar com força que passaria pela barreira, e...

...os sons ao seu redor mudaram.

Harry abriu os olhos e tropeçou ao parar, se sentindo ligeiramente sujo por ter feito um esforço ativo para acreditar em algo.

Ele estava em uma plataforma clara a céu aberto, próximo a um trem gigante, com quatorze longos vagões encabeçados por uma enorme locomotiva a vapor metálica e vermelha com uma chaminé alta que fazia juras de morte para a qualidade do ar. A plataforma já estava um pouco cheia (mesmo Harry estando uma hora inteira adiantado); dúzias de crianças e seus pais se aglomeravam ao redor de bancos, mesas, e vários vendedores ambulantes e barracas.

Era mais do que óbvio que este lugar não era em King’s Cross, que não tinha espaço para esconder algo assim.

Okay, então ou (a) eu acabei de ser teleportado para um lugar completamente diferente, (b) eles podem dobrar o espaço como se não fosse nada, ou (c) eles estão simplesmente ignorando todas as regras.

Um chiado soou atrás dele, e Harry se virou para observar que seu malão de fato o seguira com seus pequenos tentáculos com garras. Aparentemente, para propósitos mágicos, sua bagagem também conseguira acreditar o suficiente para passar pela barreira. Isso era na verdade um tanto perturbador se Harry começasse a pensar a respeito.

Um momento depois, o menino ruivo que aparentava ser o mais novo veio correndo pelo arco de metal (um arco de metal?), puxando seu malão atrás de si, e quase o atropelou. Harry, se sentindo estúpido por ter ficado parado, rapidamente começou a se mover para longe da área de chegada, e o menino ruivo o seguiu, puxando o malão com força para acompanhá-lo. Um momento depois, uma coruja branca voou pela passagem e veio descansar no ombro do rapaz.

– Hey, – disse o ruivinho – você realmente é o Harry Potter?

Não isso outra vez.

– Eu não tenho nenhuma forma lógica de saber com certeza. Meus pais me criaram para que eu creia que meu nome é Harry James Potter-Evans-Verres, e muitas pessoas me disseram que eu me pareço com meus pais, quero dizer, meus outros pais, mas – Harry franziu a testa, percebendo de repente – até onde eu sei, deve provavelmente haver feitiços que transformem uma criança para ter uma aprência específica...

– Er, o quê, cara?

Esse não vai para a Corvinal, já pude perceber. – Sim, sou Harry Potter.

– Meu nome é Rony Weasley. – disse o menino alto com um nariz longo cheio de sardas, e ofereceu sua mão, que Harry apertou com educação enquanto caminhavam. A coruja olhou para Harry de uma maneira estranhamente comedida e deu um piado cortês (mais como um eehhhh, que surpreendeu Harry).

A esta altura, Harry percebera o potencial para uma catástrofe iminente.

– Um segundo – ele disse para Rony, e abriu uma das gavetas do seu malão, a que continha suas roupas de inverno, se se recordava corretamente – e estava certo –, e pegou o cachecol mais leve que tinha, de baixo do casaco de inverno. Harry rapidamente removeu a bandana atoalhada, desdobrou o cachecol e o enrolou ao redor do rosto. Estava meio quente, especialmente no verão, mas dava para tolerar.

Então, fechou a gaveta e puxou outra, tirando dela vestes negras de bruxo, que enfiou pela cabeça, agora que estava fora do território trouxa.

– Pronto. – disse Harry. Sua voz saiu um pouco abafada através do cachecol em seu rosto. Ele se voltou para Rony – Como estou? Estúpido, eu sei, mas dá para me identificar como Harry Potter?

– Er – soltou Rony. Ele fechou a boca, que estivera aberta. – Não, na verdade não, Harry.

– Bom. – disse Harry. – No entanto, para não inutilizar o objetivo de todo este exercício, você deve a partir de agora se referir a mim como... – Verres talvez não funcione mais – Sr. Spoo.

– Okay, Harry – disse Rony, incerto.

A Força não é particularmente forte neste aqui. – Me... chame... de... Senhor... Spoo.

– Okay, Senhor Spoo... – Ron se interrompeu. – Não dá, me sinto estúpido dizendo isso.

Não é só um sentimento. – Okay, você escolhe o nome, então.

– Senhor Canhão. – disse Rony, sem pestanejar. – Por causa dos Chudley Cannons.

– Ah... – Harry sabia que se arrependeria amargamente por perguntar – Quem ou o quê são os Chudley Cannons?

Quem são os Chudley Cannons? Só o melhor time da história do Quadribol! Claro, eles acabaram na lanterna da liga ano passado, mas...

– O que é Quadribol?

Fazer esta pergunta também foi um erro.

 – Então, deixe eu ver se eu entendi – Harry disse quando a explicação de Rony (e todos os gestos que a acompanharam) parecia estar chegando ao fim – Pegar o pomo dá cento e cinquente pontos?

– É!

– Quantos gols de dez pontos um time costuma marcar sem contar o Pomo?

– Umm, talvez uns quinze ou vinte em jogos profissionais...

– Isso está simplesmente errado. Isso viola toda e qualquer regra de um bom design de jogos. Olha, o resto do jogo parece que faz sentido, pelo menos um pouco, para um esporte, mas você está basicamente me dizendo que capturar o Pomo supera quaisquer gols num jogo normal. Os dois apanhadores estão lá em cima, voando e procurando o pomo, e normalmente nem interagem com mais ninguém, e achar o pomo primeiro é basicamente um golpe de sorte...

– Não é sorte! – protestou Rony – Você tem que mover os olhos no padrão certo...

– Isso não é interativo, não tem nenhuma troca com o outro jogador, e o quão divertido pode ser observar alguém que é bom em mover os olhos? E aí qualquer apanhador que dê sorte vai lá, captura o pomo, e faz com que os esforços de todos os outros sejam inúteis. É como se alguém pegasse um jogo de verdade e enfiasse nele essa posição adicional para que a pessoa seja o Jogador Mais Importante sem precisar se envolver realmente ou aprender o resto. Quem foi o primeiro apanhador da história, o filho estúpido do rei que queria jogar Quadribol mas não entendia as regras? – Na verdade, agora que Harry parava para pensar, esta parecia uma hipótese surpreendentemente boa. Ponha ele numa vassoura e mande-o achar a coisa brilhante...

O rosto de Rony se contorceu. – Se não gosta de Quadribol, não precisa também zombar do esporte!

– Se você não pode criticar, não pode otimizar. Estou sugerindo como melhorar o esporte. E é muito fácil. É só se livrar do pomo.

– Eles não vão mudar o jogo só porque você disse que devem!

– Bem, eu sou o Menino-que-Sobreviveu, sabe. As pessoas vão me ouvir. E talvez se eu puder persuadi-los a mudar as regras em Hogwarts, a inovação possa se espalhar.

Um olhar do mais absoluto horror se espalhou pelo rosto de Rony. – Mas, se você se livrar do pomo, como as pessoas vão saber quando o jogo acaba?

Compre... um... relógio. Seria muito mais justo do que ter um jogo que às vezes acaba em dez minutos e às vezes não se encerra por horas, e o horário seria muito mais previsível para os espectadores também. – Harry soltou um suspiro. – Oh, pare de me olhar desse jeito, eu provavelmente não vou gastar meu tempo destruindo essa ideia patética de esporte nacional e refazê-la mais forte e mais inteligente de acordo com as minhas ideias. Eu tenho coisas muito, muito, muito mais importantes para me preocupar. – Harry parecia reflexivo – Mas também, não levaria tanto tempo assim para eu escrever as Noventa e Cinco Teses da Reforma Sem Pomo e pregá-las na porta da igreja...

– Potter – a voz arrastada de um menino soou –, o que é isso na sua cara e o que é isso do seu lado?

O olhar de horror de Rony foi substituído por um ódio profundo. – Você!

Harry virou a cabeça; e de fato, era Draco Malfoy, que podia até ter sido forçado a vestir as vestes comuns da escola, mas compensava o fato com um malão que aparentava ser tão mágico quanto e muito mais elegante que o de Harry, decorado com prata e esmeraldas e com o que Harry supôs ser o emblema da família Malfoy, uma belíssima serpente com longas presas sobre varinhas brancas cruzadas.

– Draco! – Harry disse. – Er, ou Malfoy se preferir, apesar de esse parecer ser o Lúcio, para mim. Fico feliz de ver que está bem depois do nosso, um, último encontro. Este é Rony Weasley. E eu estou tentando ficar incógnito, então me chame de, er... – Harry olhou para as próprias vestes – Senhor Black.

– Harry! – sibilou Rony – Você não pode usar esse nome!

Harry piscou. – Porque não? – Soava apropriadamente tenebroso, como um viajante internacional misterioso...

– Eu diria que é um nome excelente – cortou Draco –, mas pertence à Mui Antiga e Nobre Casa dos Black. Eu o chamarei de Senhor Prata.

Você, se afaste do... do Senhor Dourado. – Rony disse com frieza, e deu um passo à frente. – Ele não precisa falar com gente como você!

Harry ergueu uma mão num gesto de paz.

– Eu usarei o nome Senhor Bronze, e agradeço pela ajuda com o tema. E, Rony, hum... – Harry teve dificuldades em formular a frase – Fico feliz que esteja tão... entusiasmado para me proteger, mas não me importo de falar com o Draco...

Isto foi aparentemente a última gota para Rony, que agora se voltou para Harry com os olhos queimando de ultraje.

O quê? Você sabe quem ele é?

– Sim, Rony – disse Harry – Você deve se lembrar de que o chamei de Draco sem que ele precisasse se apresentar.

Draco soltou uma risadinha. Então seus olhos brilharam ao ver a coruja branca nos ombros de Rony.

– Oh, o que é isso? – Draco disse, arrastando a voz com malícia. – Onde está o famoso rato da família Weasley?

– Enterrado no quintal – Rony respondeu friamente.

– Aw, que triste. Pot... ah, Sr. Bronze, eu devo mencionar que a família Weasley é famosa por ter a melhor história de pets já contada. Quer fazer as honras, Weasley?

O rosto de Rony se contorceu.

– Você não acharia engraçado se acontecesse com a sua família!

– Oh – ronronou Draco –, mas isso jamais aconteceria com os Malfoys.

As mãos de Rony se fecharam em punhos.

– Chega – disse Harry, imprimindo o máximo de autoridade que conseguira na voz baixa. Era claro que, sobre o que quer que isso fosse, era uma memória dolorosa para o menino ruivo. – Se o Rony não quer falar a respeito, ele não precisa, e eu peço que não mencione mais o fato.

Draco se voltou para Harry com um olhar surpreso, e Rony anuiu.

– É isso aí, Harry! Quero dizer, Sr. Bronze! Viu que tipo de pessoa ele é? Agora diga que vá embora!

Harry contou até dez em sua mente, que para ele foi uma rápida sucessão de 12345678910 – um antigo hábito remanescente da época que tinha cinco anos e a mãe lhe instruíra a fazer isso, e Harry raciocinou que dessa forma era mais rápido e devia ser igualmente efetivo.

– Não vou falar para ele ir embora, – disse Harry calmamente – ele pode falar comigo se quiser.

– Bem, eu não tenho a intenção de andar com alguém que fica por perto de Draco Malfoy. – Rony anunciou friamente.

Harry deu de ombros.

– Isso é uma decisão sua. Eu não tenho a menor intenção de deixar que ninguém me diga quem posso ou não manter em minha companhia. – E silenciosamente, pensava vá embora, por favor, vá embora...

A expressão de Rony ficou neutra em sua surpresa, como se esperasse realmente que seu chamado fosse surtir efeito. Então, deu as costas, puxou a alça do malão, e saiu tempestuosamente pela plataforma.

– Se não gostou dele, – Draco disse, curioso – por que não simplesmente saiu andando?

– Hum... a mãe dele me ajudou a entender como chegar na plataforma vindo da estação de King’s Cross, então era meio difícil falar para ele se mandar. E não é como se eu odiasse o cara. – respondeu Harry – Eu só, só... – Harry lutava para encontrar as palavras.

– Não vê uma razão para ele existir? – sugeriu Draco.

– Basicamente.

– Enfim, Potter... se você realmente foi criado por trouxas... – Draco pausou, como se esperando que ele negasse, mas Harry nada disse – então não deve saber como é ser famoso. As pessoas querem ocupar todo o seu tempo. Você tem que aprender a dizer não.

Harry assentiu, sua expressão pensativa.

– Isso na verdade me parece um bom conselho.

– Se você tentar seu legal, vai acabar desperdiçando seu tempo com os mais chatos. Decida com quem vcê quer passar o seu tempo, e mande os outros embora. Você está chegando aqui agora, Potter, então todos vão te julgar pelas pessoas com as quais te virem, e você não quer ser visto com gente como o Rony Weasley.

Harry assentiu novamente.

– Se não se importa que eu pergunte, como você me reconheceu?

Senhor Bronze, – a voz de Draco se arrastou novamente – eu já te encontrei antes, se lembra? Eu vi alguém andando por aí com um cachecol enrolado na cabeça, com uma aparência absolutamente ridícula. Então, dei um palpite.

Harry curvou a cabeça, aceitando o elogio.

– Peço as mais profundas desculpas por aquilo. – Hary começou – Nosso primeiro encontro, quero dizer. Não tive a intenção de envergonhá-lo na frente de Lúcio.

Draco acenou, dispensando a ideia, enquanto olhava para Harry de forma engraçada.

– Eu apenas queria que meu pai tivesse entrado enquanto você estava me bajulando... – Draco riu. – Mas agradeço pelo que disse ao meu pai. Não fosse por aquilo, eu talvez tivesse mais dificuldades para me explicar.

Harry se curvou mais profundamente. – E eu agradeço a você por reciprocar com o que disse para a professora McGonagall.

– De nada. Mas uma das assistentes deve ter confiado a uma amiga todos os seus segredos, pois meu pai disse que há rumores circulando, algo como nós dois brigando, ou coisa assim.

– Ai. – Disse Harry, estremecendo – Peço desculpas mesmo...

– Nah, estamos acotumados com isso, Merlim sabe que já há muitos rumores sobre a família Malfoy.

Harry assentiu. – Fico feliz que não tenha se metido em problemas.

Draco deu um risinho enviesado. – Papai tem um senso de humor, hum, refinado, mas entende o que é fazer amizade. Ele entende muito bem. Ele me fez repetir toda noite antes de dormir a frase “eu vou fazer amigos em Hogwarts” pelo último mês. Quando expliquei para ele e ele viu o que eu estava fazendo, ele me comprou um sorvete.

A mandíbula de Harry caiu.

Você conseguiu tirar um sorvete daquela situação?

Draco assentiu, mostrando estar tão convencido quando o feito merecia.

– Bem, papai sabia o que eu estava fazendo, é claro, mas foi ele quem me ensinou como fazê-lo, e se eu sorrio do jeito certo enquanto o faço, isso meio que transforma a coisa toda numa coisa de pai e filho, e aí ele tem que me comprar um sorvete ou eu faço uma cara triste, como se eu tivesse medo de ter desapontado ele.

Harry observou Draco calculadamente, sentindo a presença de outro mestre.

– Você teve aulas em como manipular as pessoas?

– É claro. – Draco disse, com orgulho – Eu sou um Malfoy. Papai pagou instrutores.

– Uau – exclamou Harry. Ler Influência: Ciência e Prática por Robert Cialdini provavelmente não se comparava muito a isso (apesar de ainda ser um livro e tanto). – Seu pai é quase tão incrível quanto o meu pai.

As sobrancelhas de Draco dispararam para o alto.

– Oh? E o que o seu pai faz?

– Ele me compra livros.

Draco ponderou a respeito.

– Isso não parece muito impressionante.

– Você tinha que estar lá. De qualquer forma, fico feliz em ouvir tudo isso. Do jeito que Lúcio te encarou, parecia que ele ia te a-amaldiçoar.

– Papai me ama de verdade – Draco disse com firmeza – Ele jamais faria isso.

– Um... – fez Harry. Ele se lembrou da figura elegante de vestes negras e cabelos brancos que invadiu a loja de Madame Malkin, brandindo aquele cajado com cabo metálico lindo e mortal. Não era fácil visualizá-lo como um pai coruja. – Não me leve a mal, mas como você pode ter certeza?

– Hã? – estava claro que esta era uma pergunta que Draco não se fazia normalmente.

– Te faço a pergunta fundamental da racionalidade: por quê você acredita no que acredita? O que você acha que sabe e como acha que o sabe? O que o faz pensar que Lúcio não te sacrificaria da mesma forma que ele sacrificaria qualquer outro por poder?

Draco lançou outro olhar estranho a Harry.

– E o que você sabe sobre o meu pai?

– Um... tem uma posição na Suprema Corte dos Bruxos, uma posição no Conselho de Governadores de Hogwarts, incrivelmente rico, tem a atenção do Ministro Fudge, tem a confiança do Ministro Fudge, provavelmente tem algumas fotos bem embaraçosas do Ministro Fudge, é o mais proeminente purista de sangue agora que o Lorde das Trevas se foi, era um Comensal da Morte com Marca Negra, mas se safou afirmando estar sob a influência da Maldição Imperius, o que aliás era ridiculamente implausível e basicamente todo mundo sabia disso... mal com um “M” maiúsculo e um assassino nato... acho que é isso.

Os olhos de Draco se apertaram até virar fendas.

– A McGonagall te disse isso, foi?

– Não, ela se recusou a dizer qualquer coisa sobre Lúcio depois daquilo, exceto que eu deveria ficar longe dele. Então durante o Incidente na Loja de Poções, enquanto a professora McGonagall estava ocupada gritando com o dono da loja e tentando colocar tudo sob controle, eu puxei um dos outros clientes e perguntei sobre Lúcio.

Os olhos de Draco estavam novamente arregalados.

– Oh, foi mesmo?

Harry deu a Draco um olhar curioso.

– Se eu mentir da primeira vez, não vou mudar de ideia e contar a verdade só porque você me perguntou uma segunda vez.

Houve uma pausa na qual Draco absorveu essa informação.

– Você vai ser Sonserina com certeza.

– Eu vou pra Corvinal com certeza, muito obrigada. Eu só quero poder para obter mais livros.

Draco deu uma risadinha.

– É, tá certo. Enfim... para te responder... – Draco respirou fundo, e sua expressão ficou séria. – Meu pai uma vez perdeu uma votação da Suprema Corte Bruxa por minha causa. Eu caí da vassoura e quebrei um monte de costelas. Machucou pra valer. Eu nunca tinha sentido tanta dor, achei que ia morrer. Então, meu pai perdeu essa votação que era muito importante, porque ele queria estarao lado da minha cama no St. Mungo’s, segurando minhas mãos e me prometendo que eu ficaria bem.

Harry desviou o olhar, desconfortável, e então, com esforço, se forçou a olhar para Draco novamente.

– Por que você me contou isso? Parece meio... pessoal...

Draco lhe lançou um olhar sério.

– Um dos meus instrutores me disse uma vez que as pessoas formam amizades próximas ao saber coisas pessoais umas sobre as outras, e que o motivo pelo qual a maioria das pessoas não fazem amigos próximos é que elas têm vergonha demais para compartilhar coisas que sejam realmente importantes sobre si mesmas. – Draco fez um gesto convidativo com as palmas. – Sua vez?

Sabendo que a expressão esperançosa de Draco havia provavelmente sido treinada por meses a fio não a tornou menos efetiva, como observou Harry. Na verdade, sim, a fazia menos efetiva, mas não a tornava inefetiva. O mesmo podia ser dito do uso astuto que Draco fazia da pressão por reciprocidade devido a um presente inesperado, uma técnica sobre a qual Harry havia lido em seus livros de psicologia social (um experimento havia demosntrado que dar 5 pratas de presente sem pedir nada em troca era duas vezes mais eficiente que oferecer 50 pratas com a condição de as pessoas terem que responder a pesquisas). Draco havia oferecido uma história pessoal como presente, e agora convidava Harry a reciprocar com um segredo próprio... e a questão era que Harry se sentia pressionado. Uma recusa, Harry sabia, traria à tona um triste olhar desapontado, e talvez uma pitada de desdém, indicando que Harry havia caído em seu conceito.

– Draco – Harry disse – Só para você saber, eu sei exatamente o que você está fazendo agora. Meus livros chamam isso de reciprocidade, e falam sobre como oferecer a alguém um presente de dois sicles é duas vezes mais efetivo do que pagar vinte sicles para que façam o que você quer... – a voz de Harry foi sumindo.

Draco estava com a perfeita expressão de tristeza e desapontamento.

– Não é para ser um truque, Harry. É uma forma real de se fazer amigos.

Harry ergueu a mão.

– Eu não disse que não iria responder. Eu só preciso de tempo para escolher algo pessoal mas que seja igualmente inofensivo. Digamos que... eu queria que você soubesse que não posso ser apressado nesse tipo de coisa. – Uma pausa para pensar pode fazer maravilhas no sentido de reduzir o poder de muitas técnicas de conformidade, uma vez que você aprenda a reconhecê-las pelo que são.

– Certo, – retrucou Draco – vou esperar enquanto pensa em alguma coisa. Oh, e por favor, tire esse cachecol enquanto fala.

Simples, mas efetivo.

E Harry não pôde deixar de notar o quão desajeitada, estranha e deselegante fora sua tentativa de resistir à manipulação, se salvaguardar e se mostrar, comparada à Draco. Eu preciso desses instrutores.

– Certo. – disse Harry após um momento – Aqui está a minha história. – Ele olhou cautelosamente ao redor e enrolou o cachecol por cima da cabeça, expondo todo o rosto, exceto a cicatriz. – Hum... realmente parece que você pode confiar no seu pai. Quero dizer... se você falar com ele a sério, ele parece que vai sempre te ouvir e te levar a sério.

Draco assentiu.

– Às vezes, – Harry disse, e engoliu em seco. Isto era surpreendentemente difícil, mas bem, era para ser, mesmo. – às vezes, eu queria que meu próprio pai fosse como o seu. – Os olhos de Harry se desviaram do rosto de Draco automaticamente, e então Harry se forçou a voltar a olhar para o colega.

Então, Harry percebeu o que diabos havia acabado de falar, e acrescentou apressado:

– Não que eu deseje que meu pai fosse um instrumento mortal perfeito, como Lúcio, eu quis dizer a parte de me levar a sério...

– Eu entendo – Draco respondeu, com um sorriso. – Viu... não parece que agora somos um pouco mais próximos de ser amigos?

Harry assentiu.

– É, parece, sim. Hum... sem ofensa, mas vou colocar meu disfarce de volta, eu realmente não quero lidar com...

– Eu entendo.

Harry desenrolou o cachecol de volta, cobrindo o rosto.

– Papai leva todos os amigos dele a sério. – disse Draco – É por isso que ele tem um monte de amigos. Você devia conhecê-lo.

– Vou pensar no assunto – Harry respondeu, a voz neutra. Ele sacudiu a cabeça, impressionado. – Então você realmente é o único ponto fraco dele, hein.

Agora Draco estava olhando para ele de forma realmente estranha.

– Quer pegar algo para beber e achar um lugar para sentar?

Harry percebeu então que estivera parado em pé no mesmo lugar por muito tempo, e se alongou, tentando estalar as costas.

– Claro.

A plataforma estava começando a ficar cheia agora, mas ainda havia uma área mais calma num canto mais afastado, longe da locomotiva vermelha. No caminho, passaram por uma barraca em que havia um homem careca e barbudo oferecendo jornais, revistas em quadrinhos e pilhas de latas verde-neon.

O vendedor estava, na verdade, encostado e bebendo de uma das latas verde-neon no exato momento em que vislumbrou o refinado e elegante Draco Malfoy se aproximando com um menino misterioso que estava vestido de forma ridícula com um cachecol cobrindo o rosto, fazendo com que o vendedor tivesse um repentino acesso de tosse enquanto bebia e babasse uma grande quantidade de líquido verde-neon, que desceu por sua barba.

– Licença, – disse Harry – mas o que é esse negócio, exatamente?

– Chá-Cilada – disse o vendedor – Se beber, algo surpreendente vai acontecer que te faça cuspir tudo em si mesmo ou em outra pessoa. Mas está enfeitiçado para desaparecer alguns segundos depois... – e de fato, a mancha na barba do homem já estava desaparecendo.

– Mas que divertido – disse Draco – Que incrivelmente divertido. Venha, Sr. Bronze, vamos procurar outra...

– Espera aí – soltou Harry.

Ah, qual é! Isso é tão, tão infantil!

– Não, sinto muito, Draco, eu preciso investigar isso. O que acontece se eu tomar Chá-Cilada enquanto me esforço para manter uma conversa séria?

O vendedor sorriu misteriosamente.

– Quem sabe? Um amigo passa por você vestido de sapo? Algo inesperado acaba acontecendo...

– Não, sinto muito. Eu simplesmente não posso acreditar. Isso viola minha já muito judiada suspensão de descrença de tantas formas que eu nem mesmo tenho as palavras para me expressar. Não, não tem jeito de uma maldita bebida ser capaz de manipular a realidade para produzir cenas cômicas, ou eu desisto de tudo e vou me aposentar nas Bahamas...

Draco gemeu.

– Você vai mesmo fazer isso?

– Você não tem que beber, mas eu preciso investigar. Preciso. Quanto é?

– Cinco nuques a lata. – respondeu o vendedor.

Cinco nuques? Você vende bebidas que manipulam a realidade por cinco nuques a lata? – Harry levou a mão na bolsa, disse – quatro sicles e quatro nuques – e espalmou as moedas no balcão. – Duas dúzias de latas, por favor.

– Também quero uma. – Draco suspirou, e começou a levar a mão ao bolso.

Harry sacudiu a cabeça rapidamente.

– Não, deixa comigo, e isso nem conta como um favor, quero ver se funciona com você também. – Ele pegou uma lata da pilha que agora se encontrava no balcão e jogou para Draco, e começou a alimentar as demais à bolsinha. A Abertura Flexível da bolsa engoliu as latas com barulhinhos de arroto, o que não estava exatamente ajudando Harry a renovar sua fé de que um dia encontraria uma explicação razoável para tudo isso.

Vinte e dois arrotos mais tarde, Harry segurava a última lata que comprara em sua mão, Draco o encarava na expectativa, e ambos abriram a bebida ao mesmo tempo. Harry enrolou o cachecol para expor a boca, e os meninos inclinaram suas cabeças e tomaram o Chá-Cilada.

De alguma forma, tinha gosto de verde-neon – era extra carbonatado e tinha mais gosto de limão que a própria fruta.

Fora isso, nada aconteceu.

Harry olhou para o vendedor, que os observava benevolentemente.

Okay, se esse cara tirou vantagem de um um acidente aleatório para me vender vinte e quatro latas de nada, vou aplaudir seu espírito empreendedor criativo e, então, matá-lo.

– Nem sempre acontece imediatamente – disse o vendedor –, mas é garantido que vai acontecer uma vez por lata, ou devolvo o seu dinheiro.

Harry sorveu mais um longo gole.

Novamente, nada aconteceu.

Talvez eu deva simplesmente virar a lata inteira o mais rápido possível... e torcer para que o meu estômago não exploda com todo o dióxido de carbono. Ou que eu não arrote enquanto bebo...

Não, ele podia ser um pouco mais paciente. Mas, honestamente,  Harry não via como aquilo poderia funcionar. Não dava para você chegar para alguém e dizer, “Agora, eu vou te assustar” ou “E agora vou te dizer o final da piada, e vai ser muito engraçado”. Isso estragava a surpresa. No estado de preparo mental de Harry, Lúcio Malfoy poderia ter passado por ele vestido de bailarina, e ainda não seria o suficiente para fazê-lo cuspir a bebida. Que tipo de maluquice o universo poderia jogar na frente dele agora?

– Enfim, vamos nos sentar – disse Harry. Ele se preparou para tomar outro gole e começou a caminhar em direção à área de piqueniques mais afastada dali, o que o colocou no ângulo exato para ver a parte da barraca que era dedicada a jornais carregando uma publicação chamada O Pasquim, o qual exibia a seguinte manchete:

 

MENINO-QUE SOBREVIVEU

ENGRAVIDA DRACO MALFOY

 

Gah! – exclamou Draco, quando o líquido verde brilhante foi cuspido na cara dele por Harry. Draco se virou para Harry com fogo nos olhos e agarrou a própria lata. – Seu filho de um sangue-sujo! Vamos ver o que você acha de ser cuspido inteiro! – Draco tomou uma golada deliberada da lata bem quando seus próprios olhos focaram na manchete.

Por puro reflexo, Harry tentou sobrir o rosto quando o líquido voou em sua direção. Infelizmente, ele o bloqueou usando a mão com que segurava o Chá-Cilada, derramando o resto do seu conteúdo direto em seu ombro.

Harry ficou encarando a lata em sua mão até enquanto engasgava e cuspia, e o verde brilhante começava a desaparecer das vestes de Draco.

Então, ergueu os olhos e encarou a manchete de jornal.

 

MENINO-QUE SOBREVIVEU

ENGRAVIDA DRACO MALFOY

 

Os lábios de Harry se abriram e ele só coneguiu dizer: “bah-blah-bah-bah...”

Haviam objeções demais competindo por sua atenção, este era o problema. Cada vez que Harry tentava dizer “Mas só temos onze anos!” a objeção “Mas homens não podem engravidar!” exigia ser priorizada e então era sobrepujada por “Mas realmente não há nada entre nós!”

E então Harry baixou os olhos para a lata em sua mão novamente.

Ele sentia um desejo profundo de sair correndo e berrar com todo o seu fôlego até cair com falta de oxigênio, e a única coisa que o impedia era que ele havia lido uma vez que o mais puro pânico era um sinal de um problema científico verdadeiramente importante.

Harry rosnou, e então atirou a lata violentamente em uma lixeira próxima, e marchou de volta para a barraca.

– Uma cópia d’O Pasquim, por favor.

Harry pagou mais quatro nuques, puxou outra lata de Chá-Cilada da bolsa, e marchou de volta para a área de piquenique com o colega loiro, que encarava a própria lata com admiração.

– Eu retiro o que eu disse, – afirmou Draco – isso realmente funcionou.

– Ei, Draco, você sabe o que eu aposto que é melhor ainda para fazer amizade do que compartilhar segredos? Cometer assassinato.

– Um instrutor meu diz a mesma coisa. – Draco concedeu. Ele levou a mão dentro das vestes e se coçou com naturalidade. – Quem você tem em mente?

Harry bateu forte com O Pasquim na mesa de piquenique.

– O cara que escreveu essa manchete.

Draco grunhiu.

– Não é um cara. É uma garota. Uma menina de dez anos de idade, acredita? Ela enlouqueceu depois de a mãe dela morrer, e o pai dela, que é o dono desse jornal, está convencido de que ela é uma vidente, então quando ele não sabe o que publicar, ele pergunta a Luna Lovegood e acredita em tudo o que ela fala.

Sem nem pensar no que estava fazendo, Harry abriu a próxima lata de Chá-Cilada e se preparou para beber.

– Está de brincadeira comigo? Isso é ainda pior que o jornalismo trouxa, o que eu pensava ser fisicamente impossível.

Draco rosnou.

– Ela tem uma obsessão perversa com os Malfoys, também, e o pai dela é nosso oponente político, então ele publica cada palavra. Assim que eu tiver crescido o suficiente eu vou estuprar essa garota.

Líquido verde saiu pelas narinas de Harry, encharcando o cachecol que ainda lhe cobria o nariz. Chá-Cilada e pulmões não se misturavam bem, e Harry passou os próximos segundos tossindo freneticamente.

Draco lhe lançou um olhar afiado.

– Algum problema?

Foi neste momento que Harry teve a repentina percepção de que (a) os sons que vinham do resto da estação de trem haviam ficado abafados por volta do mesmo momento em que Draco levara a mão dentro das vestes, e (b) quando ele falara em cometer assassinato como uma forma de criar laços, houvera exatamente uma pessoa na conversa que interpretara aquilo como uma brincadeira.

Certo. Porque ele parecia uma criança normal. E ele é uma criança normal, ele é exatamente o que se esperaria como o padrão de como um garoto seria se o Darth Vader fosse seu pai amoroso.

– Sim, bem – Harry tossiu; senhor, como ele sairia desse percalço na conversa –, eu só fiquei surpreso com a forma com que você está disposto a discutir algo assim tão abertamente, você nem se preocupou com ser pego nem nada.

Draco fungou.

– Você está brincando? A palavra da Luna Lovegood contra a minha?

Santa Maria eterna.

 – Não tem algo como um detector de mentiras mágico, imagino? – ou testes de DNA... ainda.

Draco relanceou à sua volta. Seus olhos se estreitaram.

– É verdade, você ainda não sabe de nada. Olha, vou explicar para você, quero dizer, do jeito que as coisas de fato funcionam, como se você já estivesse na Sonserina e me fizesse a mesma pergunta. Mas tem que jurar que não vai falar nada.

– Eu juro – disse Harry.

– A corte usa Veritasserum, mas é uma piada, na verdade, é só apagar suas memórias antes de testemunhar e afirmar que a outra pessoa foi enfeitiçada com uma memória falsa. É claro, se você for alguém normal, a corte sentencia em favor da ideia de que a pessoa foi Obliviada, não do feitiço de Memória Falsa. Mas a corte tem seus viéses, e se eu estiver envolvido, então isso mancharia a honra de uma Casa Nobre, então o caso vai para Suprema Corte dos Bruxos, onde o meu pai controla os votos. Depois de eu ser inocentado, a família Lovegood teria de oferecer reparações por manchar minha honra. E eles saberiam como seria antes de começar, então apenas manteriam a boca fechada.

Um calafrio tomava conta de Harry, um calafrio que vinha com a instrução para manter a voz e a expressão neutras. Anotação mental: derrubar o governo da Inglaterra Bruxa assim que possível.

Harry tossiu novamente para limpar a garganta.

– Draco, por favor, por favor, não leve isso a mal, minha palavra é a minha lei, ms como você disse que eu poderia ir para a Sonserina eu queria saber, por pura curiosidade, o que aconteceria se eu, hipoteticamente, de fato testemunhasse que te ouvi planejando tudo?

– Então, se eu fosse qualquer outra pessoa que não um Malfoy, eu estaria com problemas – Draco respondeu presunçosamente. – Mas como eu sou um Malfoy... papai controla os votos. E depois, ele te esmagaria... bem, acho que não facilmente, já que você é o Menino-Que-Sobreviveu, mas meu pai é muito bom nesse tipo de coisa. – Draco franziu o cenho. – Além disso, foi você quem falou em matá-la, por que não se preocupou com o meu testemunho depois de ela aparecer morta?

Como, oh, como foi que o meu dia deu tão errado? A boca de Harry já estava se movendo mais rápido do que ele conseguia pensar.

– Foi porque eu achei que ela era mais velha! Eu não sei como as coisas funcionam por aqui, mas no mundo trouxa as cortes ficam muito mais inflamadas se uma criança é morta...

– Faz sentido – disse Draco, ainda parecendo suspeitar. – Mas, de qualquer forma, é sempre melhor se o caso nem chega nos aurores. Se formos cuidadosos e causarmos apenas danos que possam ser resolvidos com um Feitiço de Cura, podemos só usar o Obliviate depois e fazer tudo outra vez na semana seguinte. – Então, o menino loiro deu uma risada, com um agudo som juvenil. – Mas imagine só ela dizendo que foi traçada por Draco Malfoy e pelo Menino-Que-Sobreviveu, nem Dumbledore acreditaria nela.

Eu vou destroçar seus patéticos resquícios da Era das Trevas e vou deixá-los em pedaços menores do que os átomos que a compõem.

– Na verdade, podemos adiar esse plano? Depois de eu descobrir que a manchete veio de uma menina um ano mais nova que eu, eu tenho outra idea para a minha vingança.

– Hã? Pois diga – virou-se Draco, e começou a dar outra golada em seu Chá-Cilada.

Harry não sabia se o encantamento funcionava mais de uma vez por lata, mas ele sabia que poderia evitar a culpa, então cuidou para falar com o timing perfeito:

– Eu estava pensando que um dia eu vou casar com essa mulher.

Draco fez um som horrível de engasgo e o líquido verde escorreu pelos cantos de sua boca como de um radiador quebrado.

Você enlouqueceu?

– O oposto disso, na verdade, estou tão são que queima como gelo.

– Seu gosto é mais bizarro que o de um Lestrange. – disse Draco, soando como se estivesse parcialmente admirado. – E suponho que a queira toda para si, né?

– É. Posso ficar te devendo um favor...

Draco dispensou a idea com a mão.

– Nah, esse sai de graça.

Harry encarou a lata em sua mão, a sensação gélida se assentando em seu sangue. Charmoso, feliz e generoso em seus favores para os amigos, Draco não era um psicopata. Essa era a parte mais triste e terrível, entender o suficiente sobre a psique humana para saber que Draco não era um monstro. Já deve ter havido dez mil sociedades ao longo da história da humanidade nas quais esta conversa poderia ter acontecido. Não, o mundo teria sido um local de fato muito diferente, se fosse preciso que um mutante maligno dissesse o que Draco dissera. Era muito simples, muito humano, era o padrão, se nada interferisse. Para Draco, seus inimigos não eram gente.

E na mentalidade atrasada deste país atrasado no tempo, aqui e agora na escuridão que precede o raiar do sol da Era da Razão, o filho de um nobre suficientemente poderoso podia simplesmente assumir que estava acima da lei, pelo menos no que dizia respeito a uma mera plebeia. Havia lugares na terra dos trouxas onde as coisas também continuavam dessa forma, países onde esse tipo de nobreza ainda existia e pensava daquela forma, ou até terras mais sombrias onde não era só a nobreza que pensava assim. Era assim em todos os lugares e tempos que não descendiam diretamente do Iluminismo. Uma linha de descendência, ao que parecia, que não exatamente incluía a Inglaterra Mágica, pois toda a contaminação cruzada cultural que acontecera fora no nível de bebidas borbulhantes em latas.

E se Draco não mudar de ideia sobre se vingar, e eu não jogar fora minha chance de felicidade na vida para me casar com uma pobre menina louca, então eu apenas ganhei tempo, e nem mesmo muito...

E isso para uma menina. Não para os outros.

Fico pensando no quão difícil seria simplesmente fazer uma lista de todos os puristas de sangue e matá-los.

Eles tentaram exatamente o mesmo na Revolução Francesa, mais ou menos – faça uma lista dos inimigos do Progresso e remova tudo acima do pescoço – e não havia funcionado bem, pelo que Harry se lembrava. Talvez ele precisasse tirar a poeira de alguns daqueles livros de história que seu pai havia lhe comprado, e ver se o que dera errado na Revolução Francesa era fácil de resolver.

Harry ergueu os olhos para o céu, e para o pálido contorno da lua, que estava visível esta manhã no céu sem nuvens.

Então, o mundo está quebrado e falho e insano, e cruel e sangrento e tenebroso. Isto lá é novidade? Você sempre soube disso, de qualquer forma...

– Você está com uma cara séria. – disse Draco – Deixe-me adivinhar, seus pais trouxas te disseram que esse tipo de coisa é ruim.

Harry assentiu, pois não confiava em sua voz.

– Bem, como papai diz, podem haver quatro casas, mas no fim, todos pertencem ou à Sonserina ou à Lufa-Lufa. E, francamente, você não está do lado da Lufa-Lufa. Se você se decidir a se sentar ao lado dos Malfoys à mesa... com o nosso poder e a sua reputação... você poderia se safar de coisas que nem mesmo eu conseguiria. Quer experimentar por um tempo? Ver como é?

E não é que você é uma cobrinha esperta? Onze anos de idade e já atraindo a presa...

Harry pensou, ponderou, escolheu sua arma.

– Draco, você pode explicar essa coisa de pureza de sangue para mim? Sou novo nisso.

Um largo sorriso atravessou o rosto de Draco.

– Você realmente deveria conhecer papai e perguntar a ele, sabe, ele é o nosso líder.

– Me dê a versão resumida.

– Certo – disse Draco. Ele respirou fundo, e sua voz ficou um pouco mais baixa, pegando ritmo. – Nossos poderes enfraqueceram, de geração para geração, à medida que a contaminação com o sangue-sujo aumenta. Nas terras onde Salazar e Godrico e Rowena e Helga um dia ergueram Hogwarts com seus poderes, criando o medalhão e a espada e o diadema e a taça, nenhum bruxo destes dias desbotados jamais chegaram à altura de rivalizá-los. Nós estamos perdendo a força, desbotando e nos misturando aos trouxas à medida que acasalamos com seus descendentes e permitimos que nossos Abortos vivam. Se a contaminação não for controlada, em breve nossas varinhas se quebrarão e toda a nossa arte se acabará, a linhagem de Merlim será quebrada e o sangue de Atlantis falhará. Nossas crianças serão relegadas a cavar a terra para sobreviver como meros trouxas, e a escuridão encobrirá o mundo todo para sempre. – Draco tomous mais um gole de sua latinha, parecendo satisfeito; aquele parecia ser o argumento completo até onde sabia.

– Persuasivo – disse Harry, querendo dizer no sentido descritivo, não normativo. Era um padrão comum: A Queda dos Céus, a necessidade de proteger a pureza remanescente de mais contaminação, o passado brilhante e o futuro em perpétuo declínio. E esse padrão também tinha um contra-argumento comum... – No entanto, preciso te corrigir com relação a um fato. Suas informações sobre os trouxas está um pouco desatualizada. Nós não estamos exatamente cavando o chão hoje em dia.

A cabeça de Draco se virou abruptamente.

O quê? O que quer dizer com “nós”?

– Nós. Os cientistas. A linhagem de Francis Bacon e o sangue do Iluminismo. Os trouxas não ficaram sentados chorando por não ter varinhas, nós temos nossos próprios poderes agora, com ou sem magia. Se todos os seus poderes falharem, então teremos todos perdido algo muito precioso, pois sua magia é a única pista com relação a como o universo de fato opera – mas vocês não serão relegados a cavar o chão. Suas casas continuarão frescas no verão e quentinhas no inverno, ainda haverão médicos e remédios. A ciência pode natê-lo vivo se a magia falhar. Seria uma grande tragédia, mas não exatamente o fim da luz no mundo. Só pra você saber.

Draco dera vários passos para trás e seu rosto estava repleto de uma mistura de medo e descrença.

Do que em nome de Merlim você está falando, Potter?

– Hey, eu ouvi a sua história, mas você não pode ouvir a minha? – Isso foi desajeitado, Harry criticou a si mesmo, mas Draco de fato parou de fugir e parecia estar ouvindo.

– De qualquer forma, – Harry continuou – estou dizendo que vocês parecem não ter prestado muita atenção ao que está rolando no mundo trouxa. – Provavelmente porque o mundo bruxo parecia tratar o resto do mundo como uma favela, merecedora de tanta cobertura midiática quanto o Financial Times dava às agonias da vida em Burundi. – Certo, deixa eu verificar rapidinho. Os bruxos já foram à lua? Sabe, lá? – Harry apontou para o contorno distante no céu.

O quê? – retrucou Draco. Era óbvio que isso nunca ocorrera ao garoto. – Ir à... isso é simplemente... – seu dedo apontava para a pequena mancha pálida no alto. – Não dá pra aparatar num lugar onde você nunca esteve e como que alguém iria até a lua pra começo de conversa?

– Espera aí. – Harry disse a Draco. – Quero te mostrar um livro que trouxe comigo, acho que me lembro em qual caixa está. – E com isso, Harry se levantou e puxou as escadas que levavam ao quartinho dentro de seu malão, desceu as escadas, tirou uma caixa de cima de outra caixa, chegando perigosamente perto de tratar seus livros sem o devido respeito, arrancou a tampa da caixa que queria e puxou cuidadosa mas rapidamente uma pilha de livros...

(Harry havia herdado a abilidade quase-mágica de um Verres de se lembrar onde todos os seus livros estavam, mesmo após vê-los apenas uma vez, o que era um tanto misterioso, dada a falta de conexão genética.)

Harry correu escada acima, chutou a estrutura de volta para o malão e, ofegante, folheou as páginas do livro até encontrar a foto que queria mostrar a Draco.

Aquela com o terreno branco, seco e cheio de crateras, e com as pessoas em trajes espaciais, e o globo branco-azulado à vista.

Aquela foto.

A foto, se apenas uma imagem no mundo todo precisasse sobreviver ao fim dos tempos.

É assim – disse Harry, a voz trêmula pois não conseguia conter seu orgulho – que a Terra se parece quando vista da lua.

Draco vagarosamente se inclinou para ver. Havia uma expressão estranha em seu rosto de menino.

– Se essa é mesmo uma foto, por que não se mexe?

Se mexer? Oh. – Trouxas fazem fotos que se mexem também, mas elas precisam de uma caixa maior para exibi-las, elas ainda não cabem em uma única página.

O dedo de Draco se arrastou até um dos trajes espaciais.

– O que são essas coisas? – Sua voz começara a falhar.

– São pessoas. Estão vestindo trajes que cobrem seus corpos para lhes fornecer ar, pois não tem ar pra respirar na lua.

– Isso é impossível – sussurrou Draco. Havia horror em seus olhos, e a mais completa confusão. – Não há trouxa que possa fazer isso. Como...

Harry puxou o livro de volta, e virou as páginas até encontrar o que queria.

– Este é um foguete subindo. O fogo o propele cada vez mais alto, até chegar na lua. – virou mais páginas – Este é um foguete ainda no chão. Esse pontinho do lado dele é uma pessoa. – Draco arfou – Ir à lua custa o equivalente a... provavelmente, cerca de mil milhões de galeões. – agora, Draco engasgou – E foram necessários os esforços de... provavelmente mais pessoas do que vivem na Inglaterra Bruxa. – E quando chegaram lá, deixaram uma placa dizendo “Nós viemos em paz, por toda a humanidade.” Apesar de você ainda não estar pronto para ouvir essas palavras, Draco Malfoy...

– Você está dizendo a verdade – Draco começou a dizer devagar – Você não inventaria um livro inteiro só para isso... e posso ouvir em sua voz. Mas... mas...

– Como, sem varinhas ou magia? É uma longa história, Draco. A ciência não funciona com o sacudir de uma varinha ou algumas palavras em um feitiço, ela funciona ao se entender como o universo funciona de uma forma tão profunda que você saiba exatamente o que fazer para forçar o universo a fazer o que você quer. Se a magia é como usar Imperio em alguém para fazê-los agir de acordo com a sua vontade, então a ciência é como conhecer a pessoa tão bem que você a convence de que a ideia foi toda dela. É muito mais difícil do que brandir uma varinha, mas funciona quando as varinhas falham, assim como a se maldição Imperius falhar, você ainda pode tentar persuadir a pessoa. E a ciência cresce de geração para geração. Você tem que realmente saber o que está fazendo para fazer ciência... e quando você realmente entende alguma coisa, você pode explicar para outra pessoa. Os melhores cientistas de um século atrás, os nomes mais brilhantes que ainda são ditos com reverência, seus poderes não eram nada comparados aos grandes cientistas de hoje em dia. Não há um equivalente na ciência para as suas artes perdidas que ergueram Hogwarts. Na ciência, seus poderes ficam mais polidos a cada ano. E estamos começando a entender e desvendar os segredos da vida e da herança. Poderemos olhar para o próprio sangue do qual falou, e ver o que o faz um bruxo, e em uma ou duas gerações, poderemos convencer esse sangue a fazer com que suas crianças sejam bruxos poderosos também. Então, entende, seu problema não é tão ruim quanto parece, pois em mais algumas décadas, a ciência vai poder resolvê-lo para você.

– Mas... – soltou Draco. Sua voz tremia. – Se os trouxas têm esse tipo de poder... então... o que somos nós?

– Não, Draco, não é isso, você não entende? A ciência usa o poder do entendimento humano para observar o mundo e descobrir como funciona. Ela não pode desaparecer enquanto a própria humanidade também não sumir. Sua magia poderia acabar, e você odiaria isso, mas você ainda seria você. Você ainda estaria vivo para se arrepender. Mas já que a ciência depende da minha inteligência humana, ela é um poder que não pode ser tirado de mim sem eliminar a mim mesmo. Mesmo se as leis que regem o universo mudarem na minha frente, tornando meu conhecimento inútil, eu apenas preciso descobrir as novas leia, como já foi feito antes. Isso não é coisa de trouxas, é coisa de seres humanos, ela refina e treina o poder que você usa toda vez que olha para algo que não entende e pergunta “Por quê?” Você é um sonserino, Draco, não vê as implicações?

Draco ergueu os olhos do livro para Harry. Seu rosto mostrava que compreendera.

– Os bruxos podem usar esse poder.

Com cuidado, agora... a isca foi lançada, agora o gancho...

– Se você puder aprender a ver a si mesmo como um ser humano ao invés de apenas um bruxo, então pode treinar e refinar seus poderes como um humano.

E se essa instrução não estava em todos os currículos científicos, Draco não precisava saber, não é?

Os olhos de Draco agora estavam pensativos. – Você... já fez tudo isso?

– Até certo ponto – admitiu Harry – Meu treinamento não está completo. Não aos onze anos de idade. Mas... meu pai também me pagou instrutores, sabe. – Claro, foram pós-graduandos famintos, e apenas porque Harry tinha um ciclo de sono de 26 horas, mas deixando isso de lado...

Vagarosamente, Draco assentiu.

– Você acha que pode dominar ambas as artes, unir os poderes, e... – Draco encarou Harry – transformar-se no lorde dos dois mundos?

Harry deu uma risada maligna, ela parecia algo natural naquele momento.

– Você precisa perceber, Draco, que o mundo que você conhece, toda a Inglaterra bruxa, é apenas um quadrado num tabuleiro muito maior. O tabuleiro inclui lugares como a lua, e as estrelas no céu noturno, que são luzes assim como o sol mas a uma distância inimaginavelmente maior, e coisas como galáxias que são imensamente maiores que a Terra e o sol, coisas tão grandes que apenas cientistas conseguem vê-las e você nem mesmo sabem que existem. Mas eu realmente sou um corvinal, sabe, não sonserino. Não quero dominar o universo. Só acho que ele poderia ser melhor organizado.

Havia uma expressão maravilhada no rosto de Draco. – Por que você está me contando isso?

– Oh... não há muitas pessoas que saibam fazer ciência de verdade... entender algo pela primeira vez, msmo se te confunde horrores. Ajuda seria bem-vinda.

Draco encarou Harry de boca aberta.

– Mas não se engane, Draco, a verdadeira ciência não é como a magia, não dá para usá-la e sair sem ser impactado, como dizer as palavras de um novo feitiço. O poder vem a um custo, um custo tão alto que muitos serecusam a pagá-lo.

Draco assentiu mediante a isso, finalmente ouvira algo que podia entender.

– E o custo é?

– Aprender a admitir que estava errado.

– Hum – Draco disse após a pausa dramática que se estendera por um momento. – Quer me explicar isso?

– Tentando entender como algo funciona a um nível tão profundo, as primeiras noventa e nova explicações que pensar estarão erradas. A centésima estará certa. Então você precisa aprender a admitir que está errado, de novo e de novo e de novo. Não parece muita coisa, mas é tão difícil que a maioria das pessoas não consegue fazer ciência. Sempre se questionar, sempre olhar novamente para as coisas que sempre assumiu como verdadeiras – como ter um pomo no Quadribol – e, toda vez que mudar de ideia, você muda a si mesmo. Mas estou colocando o carro na frente dos bois aqui. Muito na frente. Só quero que saiba... que estou oferecendo compartilhar parte do meu conhecimento. Se quiser. Mas há uma condição.

– Ã-hã – fez Draco – Sabe, papai diz que quando alguém te diz isso, nunca é bom sinal.

Harry assentiu.

– Não me entenda mal e pense que quero afastar você do seu pai. Não é isso. É só que quero lidar com alguém da minha idade, ao invés de ser algo entre eu e Lúcio. Acho que seu pai entenderia isso também, ele sabe que você vai ter que crescer um dia. Mas suas escolhas no seu jogo têm que partir de você mesmo. Esta é a minha condição: que eu esteja lidando com você, Draco, e não com o seu pai.

– Tenho que ir – disse Draco, e se levantou. – Tenho que ir e pensar sobre isso.

– Leve o tempo que precisar – respondeu Harry.

Os sons da plataforma de trem mudaram de ruídos abafados para murmúrios quando Draco se afastou.

Harry soltou devagar o ar que estava segurando sem nem notar, e olhou para o relógio em seu pulso, um modelo mecânico simples que o pai lhe comprara na esperança de que funcionaria na presença de magia. O segundo ponteiro ainda se movia, e se o ponteiro de minutos estava certo, então ainda não eram onze horas. Ele provavelmente devia entrar logo no trem e começar a procurar a Fulana lá, mas parecia ser melhor tirar uns minutinhos para fazer uns exercícios de respiração e ver se seu sangue esquentava de novo.

Mas quando Harry ergueu o olhar do relógio, viu duas figuras se aproximando, completamente ridículas com as cabeças enroladas em cachecóis.

– Olá, Sr. Bronze – disse uma das figuras. – Se interessa em se unir a Ordem do Caos?

 

 



 

RESULTADO:

           

Não muito depois daquilo, quando toda a agitação do dia havia passado, Draco estava inclinado sobre uma escrivaninha, uma pena na mão. Ele tinha um quarto particular nas masmorras da Sonserina, com a própria escrivaninha e lareira – infelizmente nem mesmo ele conseguia uma conexão à rede de Floo, mas pelo menos a Sonserina não entrava nessa balela de que todos tinham de ficar em dormitórios. Não haviam muitos quartos particulares, você tinha que estar entre os melhores da melhor Casa, mas isso era o mínimo para a família Malfoy.

Querido pai, escreveu Draco.

E então parou.

Tinta escorreu devagar de sua pena, manchando o pergaminho próximo às palavras.

Draco não era estúpido. Era jovem, mas seus instrutores o haviam treinado bem. Draco sabia que Potter provavelmente sentia muito mais simpatia pela facção de Dumbledore do que demonstrava... apesar de achar que Potter poderia ser tentado. Mas era perfeitamente claro que Potter estava tentando atrai-lo tanto quanto Draco fazia o mesmo.

E também era claro que Potter era brilhante, e muito mais do que meio doido, e jogava um jogo amplo que o próprio Potter não entendia bem, improvisado em alta velocidade com a sutileza de um nundu em fúria. Mas Potter conseguira escolher uma tática para a qual Draco não podia simplesmente dar as costas. Ele oferecera a Draco parte de seu poder, apostando que Draco não poderia usá-lo sem se tornar em alguém mais parecido com ele. Seu pai lhe avisara que esta era uma técnica avançada,  e que frequentemente não funcionava.

Draco sabia que não havia compreendido tudo o que acontecera... mas Potter lhe oferecera a chance de jogar, e aquilo agora era algo dele. E, se abrisse a boca, aquilo se tornaria do pai.

No fim, era simples assim. As técnicas mais básicas exigiam que o alvo não estivesse ciente delas, ou pelo menos incertos a seu respeito. Bajulação precisa ser disfarçada de forma plausível como admiração. (“Você devia estar na Sonserina” era um velho clássico, muito eficiente em um certo tipo de pessoa que não espera aquilo, e se funcionar, dá para usar de novo.) Mas quando se encontra a maior fraqueza de alguém, não importa mais se eles sabem que você sabe. Potter, em sua loucura desembestada, adivinhara uma chave para a alma de Draco. E se Draco sabia que Potter tinha ciência disso – mesmo que fosse um chute meio óbvio –, não mudava nada.

Então agora, pela primeira vez em sua vida, ele tinha verdadeiros segredos para guardar. Estava jogando o próprio jogo. Havia uma dor obscura nisso, mas ele sabia que seu pai se orgulharia, e isso tornou tudo aceitável.

Deixando os respingos de tinta – havia neles uma mensagem, uma que seu pai compreenderia, pois haviam jogado o jogo das sutilezas mais de uma vez –, Draco escreveu a pergunta que realmente lhe corroera em tudo aquilo, a parte que parecia que ele precisava saber, mas não sabia, de jeito nenhum:

Querido pai,

Suponha que eu lhe diga que encontrei um aluno em Hogwarts, não no nosso círculo de amizades, que lhe chamasse de “instrumento de morte perfeito” e dissesse que eu sua seu “única fraqueza”. O que diria sobre ele?

Não levou muito tempo para que a coruja da família lhe trouxesse a resposta.

Meu querido filho:

Eu diria que você teve muita sorte em conhecer alguém que goza da confiança íntima de nosse nosso aliado valioso e amigo, Severo Snape.

Draco encarou a carta por um tempo e, enfim, atirou-a ao fogo.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Animes de antigamente X Animes de hoje em dia

Sessão Pipoca #2: "Forrest Gump, o Contador de Histórias"